Neste comunicado - um pouco longo, reconhecemos -, ao lado de esclarecer os comentários postados em um blog hospedado no site da revista Veja, apresentamos alguns pressupostos que orientam o trabalho educacional e pedagógico da Escola da Vila.
Já há algum tempo, a equipe de professores e orientadores da Escola vinha observando a necessidade de recolocar, de forma pedagógica e educacional, a discussão sobre o funcionamento das instituições políticas brasileiras. Essa preocupação baseava-se na constatação de que nossos alunos não estavam suficientemente informados de como os valores republicanos ganham forma através da representação política, que não se dá apenas no exercício da política partidária ou parlamentar, mas principalmente no exercício de todo cargo público.
Como se trata de assunto vasto e complexo e como somos uma escola, recorremos ao que é de nosso âmbito e nossa especialidade - procuramos a melhor maneira pedagógica de implementar essa formação. Considerando que esse assunto pode - e deve - se organizar em conteúdos conceituais, selecionamos curricularmente os temas que de algum modo se distribuíam em diferentes disciplinas e os concentramos num projeto próprio.
Foi com esse espírito que construímos e vimos aprimorando as aulas de OHF (Orientação, História e Filosofia), cujo objetivo é o estudo dos conhecimentos relativos à política na perspectiva de munir os alunos de mais elementos e condições para:
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debater publicamente temas relevantes da sociedade contemporânea, reconhecendo diferentes pontos de vista, interesses e conflitos;
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descobrir caminhos e possibilidades de intervenção nesta sociedade, passando a se perceber como sujeitos políticos;
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ampliar sua concepção política, ultrapassando a idéia de que ela se resume a questões partidárias ou de que diz respeito exclusivamente às pessoas que ocupam cargos públicos eletivos.
Assim, o trabalho realizado neste ano com o 9º ano tratou das seguintes questões:
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algumas das diferentes formas de organização política da sociedade contemporânea (ONGs, sindicatos, movimentos da sociedade civil organizada, ações socialmente responsáveis de empresas, corporações etc.);
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a própria organização política dos alunos (de 9º ano ou não) como, por exemplo, a Comissão de Formatura e o Grêmio da Escola da Vila, cuja recriação foi proposta por um grupo de alunos do 9º ano;
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o acompanhamento das eleições municipais no Brasil, tanto na etapa de campanha como na de preenchimento dos cargos em disputa;
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a administração municipal nas esferas legislativa e executiva: o que faz um vereador? Que tipo de lei é uma lei municipal? Como essa lei é respeitada ou não pela administração executiva municipal? Quais as formas de controle social que podem ser exercidas pela população em torno da administração municipal?
No segundo semestre, em função das eleições municipais, entramos na questão da administração municipal. Discutimos a função de cada cargo, a organização do processo eleitoral, o papel dos eleitores e as plataformas de alguns candidatos a vereador e a prefeito. Como conseqüência das discussões, fizemos na Escola uma mesa-redonda com candidatos a vereador de diferentes partidos. A questão central debatida foi levantada pelos próprios alunos, na preparação do evento, e girava em torno da questão do controle social das atividades das instituições políticas e da crise da democracia representativa.
Quanto a isso, focalizamos uma questão da administração municipal paulistana - a divisão da administração executiva da cidade em subprefeituras -, e os alunos leram um texto oficial (disponível no site da Prefeitura da Cidade de São Paulo) explicando o que são as subprefeituras e quais as suas responsabilidades. Começamos a discussão acerca do orçamento municipal e sua relação com as subprefeituras: quanto dinheiro cada subprefeitura recebe por ano e quais os principais gastos de cada uma delas. Verificamos que há uma lei municipal - a Lei da Transparência Orçamentária - que obriga cada subprefeitura a afixar seu orçamento no saguão principal, para que possa ser livremente consultado pelos cidadãos. Verificamos também que a ONG Movimento Nossa São Paulo Outra Cidade acusava a Prefeitura de não respeitar essa lei, e os alunos ouviram trechos de entrevistas de rádio (CBN, Eldorado, Globo AM) feitas com representantes da ONG e da administração municipal. (Esses áudios estão disponíveis no clipping do próprio site da Prefeitura.) Além disso, visitaram um blog da revista Veja e viram que o autor discordava da ONG e fazia duras ressalvas aos críticos da administração municipal.
Diante disso, os alunos tiveram como atividade complementar visitar a subprefeitura mais próxima e procurar saber se o orçamento estava afixado no saguão, ou seja, se ali se cumpria a Lei da Transparência Orçamentária. Alguns alunos levaram esses dados para a aula e apresentaram suas experiências. Constataram que a Lei não estava sendo respeitada em três das quatro subprefeituras visitadas, o que confirmava as críticas da ONG, e se propôs que os alunos escrevessem um comentário para ser postado no blog consultado. Não se tratava, portanto, de um trabalho em torno de questões partidárias ou eleitorais, mas, em estrita relação com os propósitos do que se estava estudando, de compreender o cumprimento da Lei como obrigação da administração pública.
Desse modo, a atividade como um todo relacionava ação política, interesses diferentes, políticas públicas e administração municipal, de modo que os alunos compreendessem que a cidade e a sociedade se configuram como uma teia de interesses diversos, às vezes antagônicos, que disputam o espaço político de múltiplas formas.
O autor do blog postou um comentário criticando a iniciativa dos alunos e conclamando a direção da Escola a tomar providências de controle sobre as ações dos professores, tecendo inferências sobre nossas posições partidárias ou políticas, e os comentários postados pelos leitores seguiram a mesma linha.
O esperado é que blogs de portais com as características da Veja se constituam em espaços virtuais que se prestam a discussão pública - e, portanto, política - de temas relevantes para a sociedade. Postar comentários no blog informando o levantamento que os alunos fizeram e se incluindo numa discussão pública e política dessa natureza é uma forma de ação política, que, nesses termos, deveria ser debatida com argumentos consistentes de parte a parte.
Quando tomamos conhecimento das respostas postadas no blog, conversamos com os alunos sobre a responsabilidade de quem organiza um espaço de comunicação dessa natureza. Eles perceberam que, além do conteúdo do que se posta num blog, há também formas de fazê-lo, e que determinadas formas de escrever comentários, críticas ou sugestões desqualificam o próprio autor. Propusemos uma análise crítica do tipo de interlocução que se estabelece, quais podem ser seus propósitos, se vale ou não a pena participar dela e quais as formas mais adequadas de participação nessas esferas.
Assim, acabamos tendo um desdobramento inesperado das atividades propostas, o que consideramos positivo, pois trouxe aos alunos uma percepção bastante interessante do que é o jogo político, com suas mazelas e virtudes, e adiantamos que eles terão muitas outras experiências e oportunidades escolares de constatar esta realidade, pois pretendemos continuar com essa tarefa formativa.
Consideramos também que todo o processo reforça nossas crenças no projeto pedagógico da Escola e numa educação sem partidarismo, doutrinamento, censura ou temas proibidos.
A Escola da Vila não pretende contribuir para polêmicas inócuas e falsas ou travar diálogo com quem age de modo leviano, sem a preocupação de contribuir ou compreender outros pontos de vista, assim como que não responde a comunicados anônimos ou apócrifos. Como todos sabem - pais, alunos e funcionários -, somos partidários do diálogo aberto, transparente e civilizado, mesmo que ele nos dê mais trabalho e por vezes seja mais desgastante.
Agradecemos aos pais que nos escreveram e sabemos que contamos com o apoio de toda a nossa comunidade.
Atenciosamente,
Sônia Barreira
Diretora Pedagógica Geral